Nahuel Moreno*
(extratos dos textos "Revoluções do Século XX", e "O governo Mitterrand, suas perspectivas e nossa polìtica", escritos em 1984 e 1981)
Os regimes políticos
A definição do caráter do Estado só nos serve para começar a estudar o fenômeno. Só responde à pergunta: “Qual classe ou quais setores de classe têm o poder político?”. O regime político é outra categoria, que responde a outra pergunta: “Através de que instituições governa essa classe em determinado período ou etapa?”.
Isto porque o Estado é um conjunto de instituições, mas a classe que está no poder não as utiliza sempre da mesma forma para governar. O regime político é a combinação ou articulação específica das instituições estatais utilizadas pela classe dominante, ou por um setor dela, para governar. Concretamente, para definir um regime político, devemos responder às perguntas: “Qual é a instituição fundamental do governo? Como se articulam com ela as outras instituições estatais?”.
Os cinco estados que enumeramos passaram, por sua vez, por diferentes regimes políticos.
O Estado escravista de Roma, muda seu funcionamento três vezes. Primeiro é uma monarquia, com seus reis; depois, uma república, e finalmente um império, com os imperadores governando. Mas continua sendo sempre um Estado escravista. O rei ou o imperador defendem a estrutura social em que os donos de escravos continuem sendo donos de escravos. A república também, embora nesse caso não haja a autoridade de uma só pessoa, mas sim do Senado, já que neste Senado só votam os donos de escravos e nunca os escravos.
O Estado burguês deu origem a muitos regimes políticos: monarquia absoluta, monarquia parlamentar, repúblicas federativas e unitárias, repúblicas com uma só câmara ou com duas (uma de deputados e outra, muito reacionária, de senadores), ditaduras bonapartistas, ditaduras fascistas, etc. Em alguns casos, são regimes com ampla democracia burguesa, que até permitem que os operários tenham seus partidos legais e com representação parlamentar. Em outros casos, dá-se o contrário, e não existe nenhuma liberdade, nem mesmo para os partidos burgueses. Mas, através de todos esses regimes, o Estado continua sendo burguês, porque quem continua no poder é a burguesia, que utiliza o Estado para continuar explorando os operários.
Não se deve confundir os diferentes regimes com os diferentes tipos de Estado. O Estado se define, como vimos, pelas classes ou setores de classe que o dominam. O regime, pelas instituições. (...)
Os governos
Quanto aos governos, em troca, são os homens de carne e osso que, em determinado momento, estão à cabeça do Estado e de um regime político. Essa categoria responde à pergunta: “Quem governa?”. Não é a mesma coisa que regime, pois podem mudar muitos governos sem que mude o regime, porque as instituições continuam sendo as mesmas.
O governo de frente popular: um governo burguês diferente
Numa situação “normal” (...) o governo é exercido pelos partidos burgueses, enquanto que as organizações que se reivindicam da classe operária, apesar de serem agentes dos exploradores, permanecem fora do governo, atuando na oposição.
Mas o triunfo operário e a derrota burguesa debilitam ou provocam diretamente a crise do regime. Os exploradores vêem-se obrigados, então, a integrar no governo os seus agentes contra-revolucionários, especialmente os dirigentes social-democratas e estalinistas que “normalmente” estão fora do aparato governamental.
Em primeiro lugar, isto é possível porque, obviamente, as direções traidoras compartilham da mesma preocupação e objetivo da burguesia: desviar o ascenso operário, agora a partir do governo. E também porque têm o apoio e a confiança das massas, o que lhes permite serem úteis na sua nova posição.
Isto origina um tipo de governo burguês, frente-populista ou operário-capitalista, que estabelece uma relação completamente diferente, “anômala”, com a consciência, tanto das massas trabalhadoras como dos capitalistas. Antes, os trabalhadores odiavam o governo – o de Giscard d’Estaing, por exemplo. Agora consideram o de Mitterrand[1] seu próprio governo. Do mesmo modo, a burguesia, que considerava Giscard como “seu” governo, agora encara Mitterrand como seu “adversário” ou “inimigo”.
* Nahuel Moreno (1924-1987) – dirigente e teórico trotsquista latino-americano, fundador da Liga Internacional dos Trabalhadores1- Giscard d’Estaing - presidente da França de 1975 a 1981. François Mitterrand (1916-1996) – dirigente do Partido Socialista Francês, foi presidente da França de 1981 a 1995, dando início a implementação dos planos neoliberais.
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